quinta-feira, 14 de abril de 2011

FICHAMENTOS- BRASIL

VIDA PRIVADA E ORDEM PRIVADA NO IMPÉRIO

Luiz Felipe de Alencastro

            BUROCRACIA DE ARRIBAÇÃO

            “A transferência da corte trouxe para a America Portuguesa a família real e o governo da metrópole. Trouxe também, e, sobretudo, boa parte do aparato administrativo português.” (P. 12, P. 1).
            “No total, pelo menos 15 mil pessoas transferiram-se de Portugal para o Rio de Janeiro no período.” (P. 12, P. 2).
            “Não foram só reinóis e monarquistas latino-americanos que apostaram na corte fluminense. O enxerto burocrático suscitou uma procura de moradias, serviços e bens diversos, atraindo para o Rio mercadorias e mercadores fluminenses e mineiros.” (P. 13, P. 3).

            A RUPTURA DO CIRCUITO DE COMERCIO CONTINENTAL

            “Enquanto a corte se ajeitava no caos pré-urbano do Rio de Janeiro, importantes mudanças atravessavam o território colonial.” (P. 14, P. 1).
            (...) “as câmaras e juizados municipais catalisam os interesses locais contrariados pelos novos rumos do comercio brasileiro. Desse modo, o primeiro confronto institucional entre o privado e publico imperial desenrola-se no âmbito do município.” (P. 14, P. 4).

            O PRIVILEGIO PRIVADO

            (...) “Manifesta-se a dualidade que atravessa todo o império: o escravo é um tipo de propriedade particular cuja posse e gestão demanda, reiteradamente, o aval da autoridade pública.” (P. 16, P. 2).
            (...) “Nesse sentido – e esta é a idéia que fundamenta todo o capitulo -, o escravismo não se apresenta como uma herança colonial, como um vínculo com o passado que o presente oitocentista se encarregaria de dissolver. Apresenta-se, isto sim, como um compromisso para o futuro: o império retoma e reconstrói a escravidão no quadro do direito moderno, dentro de um país independente, projetando-a sobre a contemporaneidade.” (P. 16, P.3).

A PRIVACIDADE E O PODER MUNICIPAL E PROVINCIAL

(...) “Nesse movimento, o governo central subtrai a autonomia das municipalidades e, sobre tudo, a competência jurídica e policial dos juízes de paz eleitos em cada cidade e dos juízes municipais indicados pelas câmaras.” (P. 17, P. 1).
            “Em suma, durante as revoluções do império, podia-se abrir fogo contra as tropas legais, sublevar os cidadãos, desencadear a guerra civil. Desde que um e outro campo guardassem “as mesmas convicções” básicas do consenso imperial: o respeito à ordem privada escravista.” (P. 20, P. 2).

            A HEGEMONIA FLUMINENSE

“Singular na geografia política do novo mundo, o império representou também um momento único na historia brasileira.” (P. 23, P. 2).
            (...) “o rio de Janeiro constituía o ponto de encontro e de redistribuição da economia nacional. Metade do comercio exterior brasileiro passa pelos cais cariocas durante o século XIX.” (P. 24, P. 1).
            “Etapas bem distintas marcaram o crescimento do Rio de Janeiro.” (P. 24, P. 2).
(...) “o escravismo moderno, e particularmente o brasileiro baseava-se na pilhagem de indivíduos de uma só região, de uma única raça. Em outras palavras, no moderno escravismo do continente americano a oposição senhor /escravo desdobra-se numa tensão racial que impregna toda a sociedade.” (P. 24, P. 3).    
            “Tamanho volume de escravos dá à corte características de uma cidade quase negra e – na sequência do boom do trafico negreiro nos anos 1840 – de uma cidade meio africana.” (P. 25, P. 1).
            (...) “o escravismo brasileiro ameaçava a estabilidade da monarquia fazia o país perigar.” (P. 28, P. 3).
            “Com o término do trafico de africanos em 1850, um fluxo intenso de imigrantes lusitanos, por vezes embarcados na frota negreira reciclada neste novo tipo se transporte, chega à corte.” (P. 30, P. 1).

            A SUPREMACIA DA FALA CARIOCA 

            “Nessa altura, o sotaque da corte ainda não havia se estabilizado o império dividia-se numa sucessão de falares distintos.” (P. 32, P. 1).
            (...) “Num discurso no parlamento, um deputado baiano declarou, em 1851, que na Bahia, “entre a população preta, não se fala a língua do país”.” (P. 33, P. 1).

            A BAIA DE GUANABARA, O PÓRTICO DO IMPÉRIO

            “A corte, as embaixadas estrangeiras, o comércio marítimo, as escalas contínuas de viajantes que cruzam o Atlântico Sul, a chegada de profissionais europeus, engendram no Rio de Janeiro um mercado de hábitos de consumo relativamente europeizados (...).” (P. 35, P. 2).
            “Cessado o tráfico, ocorre um retorno das divisas obtidas nas vendas de produtos de exportação e até então reservadas para financiar a compra de africanos. (...) Vários fatores demonstram que houve um forte acréscimo na entrada de importados – bens de consumo semiduráveis, duráveis, supérfluos, jóias e etc. – destinados aos consumidores endinheirados da corte e das zonas rurais vizinhas.” (P. 37, P. 1).
            (...) “Os artigos classificados como “não especificados” – nos quais devem estar incluídos pianos e toda sorte de novas mercadorias de consumo – tomam proporções consideráveis na pauta de importações.” (P. 37, P. 2).
            (...) “Mudavam as idéias, mudava também a musica imperial.” (P. 44, P. 1).

            IMPASSES DA MÚSICA IMPERIAL

            “Flauta, rabeca e violão apareciam como os instrumentos europeus mais comuns do país até meados do século XIX. Harpa, cítara e cravo circulavam menos, e o piano só entrará em poucos sobrados do Rio, de Recife e da Bahia, sendo praticamente desconhecido noutras partes.” (P. 45, P. 1).
            (...) “Logo surgem os primeiros sinais do assanhamento consumista: “Aluga-se um lindo piano inglês, por não se precisar dele”, anuncia, já em 1851, um morador da corte. Se não precisava, por que comprou? Porque dava status, por que era moda, a moda, anunciando os 25 anos, a maioridade efetiva de D. Pedro II, o fim da africanização do país e da vexaminosa pirataria brasileira, o prenúncio de outros tempos e dos novos europeus que iriam imigrar para ocidentalizar de vez o país. Porque o império iria dançar ao som de outras músicas.” (P. 47, P. 1).
            (...) “o salão: um espaço privado de sociabilidade que tornará visível, para observadores selecionados, a representação da vida familiar.” (P. 47, P. 2).

            BARRADOS NO BAILE: A PRIVATIZAÇÃO DO CARNAVAL

(...) “Martins Pena critica os altos salários que o teatro imperial São Pedro de Alcântara – financiado por José Bernardino de Sá, grande negreiro e amante do bel canto - oferecia aos cantores de ópera, atraindo cantores italianos que chegavam “em cardumes às nossas praias”. Numa se suas peças, O diletante, ele parodia a mania da ópera e falsa cultura musical na corte.” (P.51, P. 1).
            “Nos bailes públicos e privados dançava-se a “cachucha”, dança andaluza que fez grande sucesso na primeira metade do século, como o lundu. Depois veio a polca, o fandango, a valsa, a quadrilha e o schottisch, mais tarde conhecido como “xote”. A partir dos anos 1870 aparece o maxixe, que Ernesto Nazareth, por razões de marketing, chamará de “tango brasileiro”.” (P. 51, P. 2).
            “Entretanto, nos bailes maiores, mais públicos, ocorreu uma ruptura fundamental. Separou-se a festa da rua, popular e negra, embora de origem portuguesa – o entrudo –, da festa do salão branco e o segregado, o carnaval.” (P. 52, P. 1).

            DAR NOME AOS BRASILEIROS: JOAQUINS, LYCURGOS, ROSALINDAS, CAIOS, JEFFERSONS E BISMARCKS

            “É sabido que a Independência desencadeou um movimento lusófobo e nativista de troca de nomes de batismo.” (P. 53, P. 1.)
            “Por um lado, o senhoriato e os proprietários urbanos laicizados escolhiam, tanto para seus filhos como para seus escravos, nomes tirados da Antiguidade clássica ou dos romances, e em particular dos romances e poemas indianistas.” (P. 55, P. 1).

            MODAS DA CORTE E COSTUMES DO IMPÉRIO
CACHIMBOS E CHARUTOS

            “Ao lado dos surtos violentos, e às vezes sangrentos, dos antilusitanismo, o nacionalismo brasileiro desenvolveu uma maneira de ser, um comportamento individual, privado, que tinha um significado público de afirmação da singularidade nacional.” (P.60, p.1).
            (...) “os nacionalistas mais exaltados cortavam o cabelo de um jeito que deixava uma risca bem aberta no penteado. Esse corte bizarro chamava-se nem mais nem menos que “estrada da liberdade”, e pretendendo representar o fim do jugo colonial.” (p.60, p.2).

            DO MÉRITO DAS MUCAMAS

            (...) “Mukama, em quimbundo, refere-se aos escravos domésticos de ambos os sexos, cativos do próprio povo ambundo nas aldeias nativas de Angola. O uso exclusivamente feminino do substantivo na Colônia e no Império demonstra a especialização econômica da mulher cativa no trabalho doméstico e no aleitamento dos filhos dos senhores.” (p.63, p.3).
            “Contudo, a partir dos anos 1850, aparecem anúncios como: “Se aluga uma senhora branca com abundância de leite, moça, sadia, robusta e carinhosa para criança”.” (p.64, p.1).
            “Na Europa há toda uma discussão sobre as vantagens do aleitamento materno, a fim de garantir melhores cuidados ao bebê e, supostamente, transmitir-lhe, pelo leite, as qualidades culturais de sua mãe. Pouco a pouco o costume das amas-de-leite de aluguel declina (...).” (p.64, p.2).

            O PAVOR DO PARTO

            “Durante o período colonial e no Primeiro Reinado as parteiras chamavam-se “aparadeiras”. Em seguida seu nome mudou para “assistentes”, sem que se alterasse seu precário ofício, relegado a pretas velhas e a “curiosas”.” (p.71, p.1).
            (...) “Dado que seu ofício tratava tanto da vida como da morte, as parteiras tinham um sinal lúgubre pintado na frente das casas que habitavam – uma cruz preta –, indicativos de sua profissão.” (p.71, p.2).
            (...) “Em face da pressão material e familiar para aumentar a prole, a acolhida do filho que o marido tivera alhures podia representar, para as senhoras das casas grandes e dos sobrando, um vexame de conseqüência infinitamente menos graves do que o risco mortal de uma nova gravidez.” (p.72, p.1).
            “Àquela altura, generaliza-se na Europa, como contraceptivo, o “coito interrompido”. Tal hábito deve ter se espalhado também no império, difundido não só pelo conselho compassado dos médicos como pela voz rouca das meretrizes estrangeiras, cujo número tende a aumentar na corte após 1850.” (P. 73, P. 3).

            O SAPATO E O SANITARISMO IMPERIAL

            “No império a febre amarela atingia, sobretudo os estrangeiros. Tantos os europeus, como os africanos oriundos de áreas do Continente Negro, onde não existia a doença. A cólera acometia principalmente as pessoas mais modestas, mal instaladas: os escravos e proletários portugueses que começavam a fluir para a corte. [...] O paradoxo do sanitarismo no contexto da escravidão ficou evidente no caso do uso do sapato, reservado aos livres e libertos, à exclusão dos escravos.” (P. 78, P. 2).
            “Diante da reumanização do cativo pelo moderno sanitarismo, novas teorias classificatórias do gênero humano entram em cena. Como se sabe o poligenismo ganhará suporte científico na sequências das descobertas da paleontologia oitocentista, ao propor, contra o monogenismo bíblico, a idéia de que as raças contemporâneas proviam de troncos originalmente distintos do gênero humano. Mais tarde essas idéias dão lugar a frenologia – o estudo comparativo das medidas do crânio do cérebro – e ao racismo científico: as medidas do crânio tornam-se o vértice da razão ocidental.” (P. 79, P. 3).
            (...) “o novo discurso científico vinha confortar a velha prática escravista. Agora os negros também podiam ser mantidos no cativeiro em nome da “limitação em sua organização cerebral”, em nome da ciência.” (P. 81, P. 3).

            A CÍNDROME DE ESCRAVA ISAURA            

            “Num país escravista, possuindo, no mínimo, segundo o primeiro censo de 1872, 20% da população dita preta            e 38%, mulata, o problema mais geral da identidade constituía uma forte permanente de tensão social.” (P. 83, P. 1).
            “Buscar as origens do estatuto social e civil parecia perigoso. Desde logo, convinha que não houvesse dúvida quanto ao cotidiano: livres e libertos procuravam parecer brancos. Brancos e bem-apessoados.” (P. 83, P. 3).
            (...) “O inicio da iluminação a gás na parte central da cidade atrai parar fora das casas – para os cafés, as confeitarias e os restaurantes – as famílias que antes só se expunham ao olhar público nas missas dominicais e, às vezes, nos teatros.” (P. 84, P. 1).
            “Após 1850, com a intensificação do tráfico inter-regional de escravos, podia acontecer que aparecessem no Rio cativos brancos ou praticamente brancos.” (P. 87, P. 1).
            (...) “A diferença da escravidão na Grécia e na Roma antiga, o escravo moderno reforça estatuto legal do cativeiro com a discriminação racial: o escravo só podia ser preto ou mulato, nunca branco.” (P. 88, P. 2).

OS LADINOS E O COLAPSO DA ORDEM PRIVADA ESCRAVISTA

            (...) “A ordem pública da corte não podia mais ser garantida por causa da desordem privada escravista.” (P. 91, P. 3).
            (...) “Entretanto, a maioria desses cativos já eram “ladinos” nascidos eles próprios no Brasil e às vezes descendentes de gerações de outros “ladinos”. Muitos fugiam e revoltavam-se na fronteira cafeeira paulista, onde o isolamento e a exploração senhorial pareciam bem mais intensos, e onde se encontrava também fazendeiros iniciantes, com pouca ou nenhuma prática no exercício do domínio escravista.” (P. 92, P. 2). 

O MITO FUNDADOR

Marilena Chauí


            (...) “Certa vez, o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty comparou o aparecimento de novas idéias filosóficas – no caso, a idéia de subjetividade no pensamento moderno – e a descoberta da América. A comparação o levou a dizer que uma nova idéia não pode ser descoberta, pois ela não estava ali à espera de alguém que a achasse. (...) uma idéia, escreveu ele, não estava a nossa espera como a América estava à espera de Colombo.” (P. 57, P. 3).
            “A América não estava aqui à espera de Colombo, assim como o Brasil não estava aqui à espera de Cabral. (...) São invenções históricas e construções culturais. (...) é uma criação dos conquistadores europeus.” (P. 57, P. 5).

            A sagração da natureza

            (...) “do ponto de vista simbólico, as grandes viagens são vistas como um alargamento das fronteiras do visível e um deslocamento das fronteiras do visível e um deslocamento das fronteiras do invisível para chegar a regiões que a tradição dizia impossíveis (como a dos antigos) ou mortais (como a zona tórrida).” (P. 58, P. 5).
            “Os escritos medievais consagram um mito poderoso, as chamadas ilhas afortunadas ou ilhas bem aventuradas, lugar abençoado, onde reinam primavera eterna e juventude eterna, e onde homens e animais convivem em paz. Essas ilhas, de acordo com as tradições fenícias e irlandesas, encontram-se a oeste do mundo conhecido. Os fenícios as designaram com o nome Braaz e os monges irlandeses as chamaram de Hy Brazil.” (P.59, P. 1).
            (...) “A bandeira brasileira é quadricolor e não exprime o político, não narra a história do país. É um símbolo da Natureza. É o Brasil - jardim, o Brasil - paraíso.” (P.62, P.3)
            “Como justificar a escravidão no paraíso?” (P. 63, P. 6).
            (...) “A teoria do direito natural subjetivo, por sua vez, afirma que o homem, por ser dotado de razão e vontade, possui naturalmente o sentimento do bem e do mal, do certo e do errado, do justo e do injusto, e que tal sentimento é o direito natural, fundamento da sociabilidade natural, pois o homem é, por Natureza, um ser social.” (p. 63, p. 8).
            “Assim, em conformidade com as teorias do direito natural objetivo e subjetivo, a subordinação e o cativeiro dos índios serão considerados obras espontâneas da Natureza. (...) os índios não podem ser tidos como sujeitos de direito e, como tais são escravos naturais.” (P. 64, P.2).
            (...) “A inferioridade objetiva dos nativos na hierarquia natural dos seres justifica que, subjetivamente, escolham a servidão voluntária e sejam legal e legitimamente escravos naturais.” (P.65, P. 3).
            “Ao que tudo indica, os índios decidiram usar a livre faculdade da vontade e recusar a servidão voluntária.” (P. 65, P. 6).
            (...) “Dada a “afeição natural” dos negros para a lavoura, era também natural que os vencidos de guerra fossem escravos naturais para o trabalho da terra.” (P. 65, P. 7).
            “A escravização dos índios e dos negros nos ensina que Deus e o Diabo disputam a Terra do Sol. Não poderia ser diferente, pois a serpente habitava o Paraíso.” (P. 66, P. 1).
            “Com isso, somos levados a outro efeito da imagem do Brasil – Natureza. A disputa cósmica entre Deus e o Diabo aparece, desde o início da colonização, sem se referir às divisões sociais, mas como divisão da e na própria Natureza: o Mundo Novo está dilacerado entre o litoral e sertão.” (P. 66, P. 2).

         A sagração da história
           
            “Assim, o segundo elemento na produção do mito fundador vai lançar-nos na história, depois que o primeiro nos havia tirado dela. Trata-se, porém, da história teológica ou providencialista, isto é, da história como realização do plano de Deus ou da vontade divina.” (P. 70, P. 1).
            “A Antiguidade – tanto oriental como ocidental – concebia o tempo cósmico como ciclo de retorno perene e o tempo dos entes como reta finita, marcada pelo nascimento e pela morte. (...) O tempo da historia antiga é épico, narrando os grandes feitos de homens e cidades cuja duração é finita e cuja preservação é a comemoração.” (P. 70, P. 2).
            “Diferentemente do tempo cósmico (natural) e épico (histórico), o tempo bíblico, como mostra Auerbach, é dramático, pois a história narrada é não somente sagrada, mas também o drama do afastamento do homem de Deus e da promessa de reconciliação de Deus com o homem.” (P. 70, P. 3).
            (...) “O tempo não é repetição (cósmica) nem simples escoamento (humano), mas passagem rumo a um fim que lhe sentido e orienta o seu sentido, sua direção.” (P. 71, P. 1).
            (...) “Seja como história messiânica, seja como história milenarista, a história se completará e o tempo findará.” (P. 71, P. 3).
            (...) “a cristologia nasce em dois movimentos sucessivos: no primeiro movimento, o Artigo Testamento é interpretado como profecia do Advento do Messias; No movimento seguinte (quando, historicamente, o mundo não acabou depois da Ressurreição do Cristo e o Juízo Final tarda a acontecer enquanto o mal se palha por toda parte), o Novo Testamento passou a ser interpretado como profecia do Segundo Advento, a Segunda Vinda do Messias no fim dos tempos, com a qual, finalmente, a história estará completamente consumada.” (P. 72, P. 2).
            (...) “o término do império Romano levou a condenação da esperança milenarista, pois esta dava pouca importância à instituição eclesiástica e não tinha motivo para submeter-se ao poder da Igreja, fugaz e efêmero.” (P. 73, P. 1).
            “Se o Brasil é “terra abençoada por Deus”, se é paraíso reencontrado, então somos berço do mundo, pois somos o mundo originário e original. E se o país está “deitado em berço esplendido” é porque fazemos parte do plano providencial de Deus.” (P. 75, P. 2).
            “Mas também entramos na história pela porta milenarista, que pouco a pouco, tenderá a ser a via percorrida pelas classes populares. O certão virará praia, e a praia virará certão [...]” (P. 79, P. 2).
            “Mas, tanto a via providencial como na via profética, somos agentes da vontade de Deus e nosso tempo é o da sagração do tempo. A história é parte da teologia.” (P. 79, P. 2).

            A sagração do governante

            “Um só rebanho, um só pastor. Uma só cabeça, um único cetro e um único diadema. A imagem teológica do poder político se afirma porque encontra no tempo profano sua manifestação: a monarquia absoluta por direito divino dos reis.” (P. 79, P. 3).
            “Em suas origens, a monarquia absoluta se instala para resolver as crises do mundo feudal e assegurar à nobreza a manutenção de seus privilégios quando esta se vê ameaçada pelo desaparecimento da servidão. (...) e pelas revoltas camponesas que se alastram pela Europa.” (P. 80, P.2).
            (...) “A monarquia absoluta surge, portanto, determinada pelo reagrupamento feudal contra o campesinato e sobredeterminada pela ascensão da burguesia ou pela pressão do capital mercantil.” (P. 80, P. 4).
            “A unificação territorial, feita sob a tese romana de que o fundo público (a terra) é dominium e patrimonium do rei, e a autoridade régia como forte da lei e não obrigara pela lei, determinou a fisionomia do Estado absolutista, obra de burocratas, funcionários do Estado, versados no direito romano: os letrados, de Portugal e Espanha, os maîtres de requêtes, da França, os doctores, da Alemanha.” (P. 81, P. 1).
            “A moderna teoria do direito divino dos reis está fundamentada numa nova teoria da soberania como pode uno, único e indivisível. Todavia, só alcançarmos sua força persuasiva se a entrelaçarmos com a teoria do direito natural objetivo como ordem jurídica divina natural, que oferece o fundamento para uma concepção teocrática do poder político, isto é, uma concepção que afirma que o poder político vem diretamente de Deus.” (P. 82, P. 2).
(...) “O rei recebe o corpo político ou o corpo místico no momento da coroação, quando recebe as insígnias do poder: o certo (que simboliza o poder para dirigir), a coroa (que simboliza o poder para decidir), o manto (que simboliza a proteção divina e aquela que o rei dará aos súditos), a espada (que simboliza o poder de guerra e paz) e o anel (que simboliza o casamento do rei com o patrimônio, isto é, a terra).” (P. 83, P.1).
(...) “Os desclassificados do ouro, os homens livres pobres, mulatos e mestiços, não conseguirão se mover porque não tinham lugar, sua utilidade estando em servir de figuração da vadiagem com que se podia deixar invisível a base da hierarquia social, dando-lhe apenas visibilidade negativa.” (P. 84, P. 3).
(...) “efeitos deixados pela sagração do poder.” (P. 85, P. 3).
“Um primeiro efeito pode ser visto diretamente e a olho nu: o símbolo escolhido pela República refém-proclamada para representá-la é Tiradentes.” (P. 85, P. 4)
“Um outro efeito pode ser observado se reunirmos a sagração da história e a sagração do governante. Ao articulá-las, notaremos que o mito fundador opera de modo socialmente diferenciado: do lado dos dominantes, ele opera na produção da visão de seu direito natural ao poder e na legitimação desse pretenso direito natural por meio das redes de favor e clientela, do ufanismo nacionalista, da ideologia desenvolvimentista e da ideologia da modernização, que são expressões laicizadas da teologia da história providencialista e do governo pela graça de Deus;” (P. 86, P. 1).
“A sagração do governante tem ainda como efeito a maneira como se realiza a prática da representação política no Brasil. (...) Essa concepção na política brasileira, na qual os representantes, embora eleitos, não são percebidos pelos representados como seus representantes e sim como representantes do Estado em face do povo, o qual se dirige aos representantes para solicitar favores ou obter privilégio. (...) que se manifesta na força do populismo na política brasileira.” (P. 86, P. 2).