VIDA PRIVADA E ORDEM PRIVADA NO IMPÉRIO
Luiz Felipe de Alencastro
BUROCRACIA DE ARRIBAÇÃO
“A transferência da corte trouxe para a America Portuguesa a família real e o governo da metrópole. Trouxe também, e, sobretudo, boa parte do aparato administrativo português.” (P. 12, P. 1).
“No total, pelo menos 15 mil pessoas transferiram-se de Portugal para o Rio de Janeiro no período.” (P. 12, P. 2).
“Não foram só reinóis e monarquistas latino-americanos que apostaram na corte fluminense. O enxerto burocrático suscitou uma procura de moradias, serviços e bens diversos, atraindo para o Rio mercadorias e mercadores fluminenses e mineiros.” (P. 13, P. 3).
A RUPTURA DO CIRCUITO DE COMERCIO CONTINENTAL
“Enquanto a corte se ajeitava no caos pré-urbano do Rio de Janeiro, importantes mudanças atravessavam o território colonial.” (P. 14, P. 1).
(...) “as câmaras e juizados municipais catalisam os interesses locais contrariados pelos novos rumos do comercio brasileiro. Desse modo, o primeiro confronto institucional entre o privado e publico imperial desenrola-se no âmbito do município.” (P. 14, P. 4).
O PRIVILEGIO PRIVADO
(...) “Manifesta-se a dualidade que atravessa todo o império: o escravo é um tipo de propriedade particular cuja posse e gestão demanda, reiteradamente, o aval da autoridade pública.” (P. 16, P. 2).
(...) “Nesse sentido – e esta é a idéia que fundamenta todo o capitulo -, o escravismo não se apresenta como uma herança colonial, como um vínculo com o passado que o presente oitocentista se encarregaria de dissolver. Apresenta-se, isto sim, como um compromisso para o futuro: o império retoma e reconstrói a escravidão no quadro do direito moderno, dentro de um país independente, projetando-a sobre a contemporaneidade.” (P. 16, P.3).
A PRIVACIDADE E O PODER MUNICIPAL E PROVINCIAL
(...) “Nesse movimento, o governo central subtrai a autonomia das municipalidades e, sobre tudo, a competência jurídica e policial dos juízes de paz eleitos em cada cidade e dos juízes municipais indicados pelas câmaras.” (P. 17, P. 1).
“Em suma, durante as revoluções do império, podia-se abrir fogo contra as tropas legais, sublevar os cidadãos, desencadear a guerra civil. Desde que um e outro campo guardassem “as mesmas convicções” básicas do consenso imperial: o respeito à ordem privada escravista.” (P. 20, P. 2).
A HEGEMONIA FLUMINENSE
“Singular na geografia política do novo mundo, o império representou também um momento único na historia brasileira.” (P. 23, P. 2).
(...) “o rio de Janeiro constituía o ponto de encontro e de redistribuição da economia nacional. Metade do comercio exterior brasileiro passa pelos cais cariocas durante o século XIX.” (P. 24, P. 1).
“Etapas bem distintas marcaram o crescimento do Rio de Janeiro.” (P. 24, P. 2).
(...) “o escravismo moderno, e particularmente o brasileiro baseava-se na pilhagem de indivíduos de uma só região, de uma única raça. Em outras palavras, no moderno escravismo do continente americano a oposição senhor /escravo desdobra-se numa tensão racial que impregna toda a sociedade.” (P. 24, P. 3).
“Tamanho volume de escravos dá à corte características de uma cidade quase negra e – na sequência do boom do trafico negreiro nos anos 1840 – de uma cidade meio africana.” (P. 25, P. 1).
(...) “o escravismo brasileiro ameaçava a estabilidade da monarquia fazia o país perigar.” (P. 28, P. 3).
“Com o término do trafico de africanos em 1850, um fluxo intenso de imigrantes lusitanos, por vezes embarcados na frota negreira reciclada neste novo tipo se transporte, chega à corte.” (P. 30, P. 1).
A SUPREMACIA DA FALA CARIOCA
“Nessa altura, o sotaque da corte ainda não havia se estabilizado o império dividia-se numa sucessão de falares distintos.” (P. 32, P. 1).
(...) “Num discurso no parlamento, um deputado baiano declarou, em 1851, que na Bahia, “entre a população preta, não se fala a língua do país”.” (P. 33, P. 1).
A BAIA DE GUANABARA, O PÓRTICO DO IMPÉRIO
“A corte, as embaixadas estrangeiras, o comércio marítimo, as escalas contínuas de viajantes que cruzam o Atlântico Sul, a chegada de profissionais europeus, engendram no Rio de Janeiro um mercado de hábitos de consumo relativamente europeizados (...).” (P. 35, P. 2).
“Cessado o tráfico, ocorre um retorno das divisas obtidas nas vendas de produtos de exportação e até então reservadas para financiar a compra de africanos. (...) Vários fatores demonstram que houve um forte acréscimo na entrada de importados – bens de consumo semiduráveis, duráveis, supérfluos, jóias e etc. – destinados aos consumidores endinheirados da corte e das zonas rurais vizinhas.” (P. 37, P. 1).
(...) “Os artigos classificados como “não especificados” – nos quais devem estar incluídos pianos e toda sorte de novas mercadorias de consumo – tomam proporções consideráveis na pauta de importações.” (P. 37, P. 2).
(...) “Mudavam as idéias, mudava também a musica imperial.” (P. 44, P. 1).
IMPASSES DA MÚSICA IMPERIAL
“Flauta, rabeca e violão apareciam como os instrumentos europeus mais comuns do país até meados do século XIX. Harpa, cítara e cravo circulavam menos, e o piano só entrará em poucos sobrados do Rio, de Recife e da Bahia, sendo praticamente desconhecido noutras partes.” (P. 45, P. 1).
(...) “Logo surgem os primeiros sinais do assanhamento consumista: “Aluga-se um lindo piano inglês, por não se precisar dele”, anuncia, já em 1851, um morador da corte. Se não precisava, por que comprou? Porque dava status, por que era moda, a moda, anunciando os 25 anos, a maioridade efetiva de D. Pedro II, o fim da africanização do país e da vexaminosa pirataria brasileira, o prenúncio de outros tempos e dos novos europeus que iriam imigrar para ocidentalizar de vez o país. Porque o império iria dançar ao som de outras músicas.” (P. 47, P. 1).
(...) “o salão: um espaço privado de sociabilidade que tornará visível, para observadores selecionados, a representação da vida familiar.” (P. 47, P. 2).
BARRADOS NO BAILE: A PRIVATIZAÇÃO DO CARNAVAL
(...) “Martins Pena critica os altos salários que o teatro imperial São Pedro de Alcântara – financiado por José Bernardino de Sá, grande negreiro e amante do bel canto - oferecia aos cantores de ópera, atraindo cantores italianos que chegavam “em cardumes às nossas praias”. Numa se suas peças, O diletante, ele parodia a mania da ópera e falsa cultura musical na corte.” (P.51, P. 1).
“Nos bailes públicos e privados dançava-se a “cachucha”, dança andaluza que fez grande sucesso na primeira metade do século, como o lundu. Depois veio a polca, o fandango, a valsa, a quadrilha e o schottisch, mais tarde conhecido como “xote”. A partir dos anos 1870 aparece o maxixe, que Ernesto Nazareth, por razões de marketing, chamará de “tango brasileiro”.” (P. 51, P. 2).
“Entretanto, nos bailes maiores, mais públicos, ocorreu uma ruptura fundamental. Separou-se a festa da rua, popular e negra, embora de origem portuguesa – o entrudo –, da festa do salão branco e o segregado, o carnaval.” (P. 52, P. 1).
DAR NOME AOS BRASILEIROS: JOAQUINS, LYCURGOS, ROSALINDAS, CAIOS, JEFFERSONS E BISMARCKS
“É sabido que a Independência desencadeou um movimento lusófobo e nativista de troca de nomes de batismo.” (P. 53, P. 1.)
“Por um lado, o senhoriato e os proprietários urbanos laicizados escolhiam, tanto para seus filhos como para seus escravos, nomes tirados da Antiguidade clássica ou dos romances, e em particular dos romances e poemas indianistas.” (P. 55, P. 1).
MODAS DA CORTE E COSTUMES DO IMPÉRIO
CACHIMBOS E CHARUTOS
“Ao lado dos surtos violentos, e às vezes sangrentos, dos antilusitanismo, o nacionalismo brasileiro desenvolveu uma maneira de ser, um comportamento individual, privado, que tinha um significado público de afirmação da singularidade nacional.” (P.60, p.1).
(...) “os nacionalistas mais exaltados cortavam o cabelo de um jeito que deixava uma risca bem aberta no penteado. Esse corte bizarro chamava-se nem mais nem menos que “estrada da liberdade”, e pretendendo representar o fim do jugo colonial.” (p.60, p.2).
DO MÉRITO DAS MUCAMAS
(...) “Mukama, em quimbundo, refere-se aos escravos domésticos de ambos os sexos, cativos do próprio povo ambundo nas aldeias nativas de Angola. O uso exclusivamente feminino do substantivo na Colônia e no Império demonstra a especialização econômica da mulher cativa no trabalho doméstico e no aleitamento dos filhos dos senhores.” (p.63, p.3).
“Contudo, a partir dos anos 1850, aparecem anúncios como: “Se aluga uma senhora branca com abundância de leite, moça, sadia, robusta e carinhosa para criança”.” (p.64, p.1).
“Na Europa há toda uma discussão sobre as vantagens do aleitamento materno, a fim de garantir melhores cuidados ao bebê e, supostamente, transmitir-lhe, pelo leite, as qualidades culturais de sua mãe. Pouco a pouco o costume das amas-de-leite de aluguel declina (...).” (p.64, p.2).
O PAVOR DO PARTO
“Durante o período colonial e no Primeiro Reinado as parteiras chamavam-se “aparadeiras”. Em seguida seu nome mudou para “assistentes”, sem que se alterasse seu precário ofício, relegado a pretas velhas e a “curiosas”.” (p.71, p.1).
(...) “Dado que seu ofício tratava tanto da vida como da morte, as parteiras tinham um sinal lúgubre pintado na frente das casas que habitavam – uma cruz preta –, indicativos de sua profissão.” (p.71, p.2).
(...) “Em face da pressão material e familiar para aumentar a prole, a acolhida do filho que o marido tivera alhures podia representar, para as senhoras das casas grandes e dos sobrando, um vexame de conseqüência infinitamente menos graves do que o risco mortal de uma nova gravidez.” (p.72, p.1).
“Àquela altura, generaliza-se na Europa, como contraceptivo, o “coito interrompido”. Tal hábito deve ter se espalhado também no império, difundido não só pelo conselho compassado dos médicos como pela voz rouca das meretrizes estrangeiras, cujo número tende a aumentar na corte após 1850.” (P. 73, P. 3).
O SAPATO E O SANITARISMO IMPERIAL
“No império a febre amarela atingia, sobretudo os estrangeiros. Tantos os europeus, como os africanos oriundos de áreas do Continente Negro, onde não existia a doença. A cólera acometia principalmente as pessoas mais modestas, mal instaladas: os escravos e proletários portugueses que começavam a fluir para a corte. [...] O paradoxo do sanitarismo no contexto da escravidão ficou evidente no caso do uso do sapato, reservado aos livres e libertos, à exclusão dos escravos.” (P. 78, P. 2).
“Diante da reumanização do cativo pelo moderno sanitarismo, novas teorias classificatórias do gênero humano entram em cena. Como se sabe o poligenismo ganhará suporte científico na sequências das descobertas da paleontologia oitocentista, ao propor, contra o monogenismo bíblico, a idéia de que as raças contemporâneas proviam de troncos originalmente distintos do gênero humano. Mais tarde essas idéias dão lugar a frenologia – o estudo comparativo das medidas do crânio do cérebro – e ao racismo científico: as medidas do crânio tornam-se o vértice da razão ocidental.” (P. 79, P. 3).
(...) “o novo discurso científico vinha confortar a velha prática escravista. Agora os negros também podiam ser mantidos no cativeiro em nome da “limitação em sua organização cerebral”, em nome da ciência.” (P. 81, P. 3).
A CÍNDROME DE ESCRAVA ISAURA
“Num país escravista, possuindo, no mínimo, segundo o primeiro censo de 1872, 20% da população dita preta e 38%, mulata, o problema mais geral da identidade constituía uma forte permanente de tensão social.” (P. 83, P. 1).
“Buscar as origens do estatuto social e civil parecia perigoso. Desde logo, convinha que não houvesse dúvida quanto ao cotidiano: livres e libertos procuravam parecer brancos. Brancos e bem-apessoados.” (P. 83, P. 3).
(...) “O inicio da iluminação a gás na parte central da cidade atrai parar fora das casas – para os cafés, as confeitarias e os restaurantes – as famílias que antes só se expunham ao olhar público nas missas dominicais e, às vezes, nos teatros.” (P. 84, P. 1).
“Após 1850, com a intensificação do tráfico inter-regional de escravos, podia acontecer que aparecessem no Rio cativos brancos ou praticamente brancos.” (P. 87, P. 1).
(...) “A diferença da escravidão na Grécia e na Roma antiga, o escravo moderno reforça estatuto legal do cativeiro com a discriminação racial: o escravo só podia ser preto ou mulato, nunca branco.” (P. 88, P. 2).
OS LADINOS E O COLAPSO DA ORDEM PRIVADA ESCRAVISTA
(...) “A ordem pública da corte não podia mais ser garantida por causa da desordem privada escravista.” (P. 91, P. 3).
(...) “Entretanto, a maioria desses cativos já eram “ladinos” nascidos eles próprios no Brasil e às vezes descendentes de gerações de outros “ladinos”. Muitos fugiam e revoltavam-se na fronteira cafeeira paulista, onde o isolamento e a exploração senhorial pareciam bem mais intensos, e onde se encontrava também fazendeiros iniciantes, com pouca ou nenhuma prática no exercício do domínio escravista.” (P. 92, P. 2).